MELHORE SEU RACIOCÍNIO LOGICO AGORA MESMO!!!
Raciocínio lógico e o jogo de xadrez:
em busca de relações.
Wilson da Silva
Rosely Palermo Brenelli
1
Introdução
O interesse pela utilização
do jogo de xadrez em contextos educativos vem crescendo nos últimos
anos, a julgar pela extensa lista de artigos disponíveis no site da
Federação de Xadrez dos Estados Unidos (UNITED STATES CHESS FEDERATION,
2009), que possui um acervo com os principais artigos e
pesquisas que versam sobre esse tema. Esse interesse crescente se baseia, na
maioria das vezes, na premissa de que o estudo e a prática sistemática do
xadrez podem auxiliar na aprendizagem escolar dos alunos. Esta questão já foi
aventada em 1977 pelo psicólogo holandês Adriaan
De Groot (1977, p. 1):
A
introdução de aulas de xadrez em programas escolares causará modificação na
aprendizagem dos alunos; essa modificação esperada na aprendizagem é
suficientemente valiosa do ponto de vista educacional, para justificar (1) o
esforço extra e o custo da organização que as aulas de xadrez vão exigir, e (2)
o tempo a ser gasto por (professores e) alunos de xadrez, junto a, ou em vez
de, outras disciplinas? Como o xadrez é uma atividade bastante barata
-tabuleiro e peças podem ser confeccionados na escola, por exemplo - o ponto
crucial é (2): valerá a pena o tempo gasto com o xadrez, do ponto de vista dos
efeitos na aprendizagem dos alunos? (grifos de De Groot).
As reflexões
desenvolvidas neste capítulo são parte da pesquisa de doutorado em educação/Unicamp,
área de concentração Psicologia, Desenvolvimento Humano e Educação, do primeiro
autor, sob orientação do segundo autor (SILVA, 2009).
Uma vez que o jogo de
xadrez vem sendo utilizado largamente nas escolas com a premissa de auxiliar no
desenvolvimento cognitivo dos alunos, o problema que motivou esta pesquisa é
investigar se existe relação entre a expertise no jogo de xadrez e o raciocínio
lógico. Não obstante, segundo Gobet e
Campitelli (2006), a maioria dos
estudos sobre o xadrez escolar carece de suporte empírico, e os que apresentam
suporte empírico possuem graves problemas metodológicos. Entretanto, mestres e
professores de xadrez têm plena convicção dos benefícios das aulas de xadrez,
propondo que o xadrez desenvolve, dentre outras coisas, a inteligência geral, a
habilidade para concentração, fortalece o ego, o autocontrole, a
habilidade para análise e a habilidade para leitura. Todavia, há uma grande
distância entre as afirmações que muitas vezes são encontradas na literatura
enxadrística e os resultados não conclusivos de um número limitado de estudos.
As evidências existentes parecem indicar que: a) os possíveis resultados do
ensino opcional do xadrez são ainda uma questão aberta; b) ensino obrigatório
do xadrez não é recomendável, pois pode resultar em problemas motivacionais; e
c) quando o ensino do xadrez pode ser benéfico no início, os benefícios parecem
diminuir com o aumento no nível enxadrístico, por causa da quantidade de
prática necessária e a especificidade do conhecimento que é adquirido.
As primeiras experiências
com a introdução do jogo de xadrez nas escolas no Brasil foram marcadas por
certo elitismo, pois mais se buscava selecionar talentos do que efetivamente
favorecer a aprendizagem escolar dos alunos. Essa visão elitista decorre
provavelmente do fato de o xadrez ser também uma atividade esportiva e, como
tal, há uma valorização natural da vitória. Como no imaginário coletivo das
pessoas há uma forte associação entre a expertise no xadrez e a inteligência, o
fato de um jogador vencer o outro pode levar à ideia perniciosa de que é mais
inteligente que o adversário. Dessa forma, não é incomum os enxadristas de alto
nível passarem uma visão arrogante de suas habilidades para o público em geral.
O escritor Millôr Fernandes (2005, p. 55) captou bem esse
sentimento no seu recado para o
Grande Mestre Mequinho15:
O xadrez tem tido sua prática incrementada apenas por
Motivos competitivos
lamentáveis. Pois é um jogo que não melhora o ser humano para nenhuma outra prática,
não o leva a melhor relacionamento humano, não o torna melhor cidadão no
sentido de uma lição
de vida ou ação social, nem mesmo à melhoria da linguagem rotineiramente
falada. O xadrez desenvolve apenas o tipo de inteligência que leva o indivíduo
a jogar melhor xadrez.
Para a composição do grupo
avançado, o professor de xadrez da escola indicou os dez estudantes com melhor
desempenho em competições, e também foi utilizada uma escala enxadrística, o
rating (ELO, 1980)17, que quantifica o desempenho dos jogadores. O professor
também selecionou os estudantes para os grupos intermediário e básico.
Para melhor caracterizar
os participantes, foi aplicado um questionário com 42 perguntas divididas
em quatro partes: 1) Informações pessoais (4 questões); 2) Você e sua família
(12 questões); 3) Sobre o uso do computador (5 questões); e 4) Sobre o xadrez
(21 questões). As partes 1, 2 e 3 foram adaptadas do questionário de 2006 do
Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), enquanto a parte 4
foi desenvolvida para esta pesquisa.
Esse questionário foi
aplicado individualmente na biblioteca da escola, no horário de aula dos
participantes, e seu preenchimento levou aproximadamente quinze minutos. As
informações sobre nível enxadrístico, sexo, idade e série serão apresentadas
nas tabelas a seguir.
A Tabela 1 mostra o nível
enxadrístico dos participantes.
TABELA
1 – DISTRIBUIÇÃO QUANTO AO NÍVEL NO XADREZ
NÍVEL
N %
Básico
10 33,33
Intermediário
10 33,33
Avançado
10 33,33
Total
30 100
Fonte: Silva (2010, p. 148).
Na Tabela 2 pode-se ver o
rating dos participantes avançados. Na segunda coluna pode-se ver
o rating da Federação de Xadrez do Paraná (Fexpar), levando-se em conta que,
quanto maior o rating, maior a expertise. Também se pode notar que somente um
participante possui rating da Confederação Brasileira de Xadrez (CBX) e da
Federação Internacional de Xadrez (Fide), pois para se obter rating CBX e Fide
é necessário participar de competições nacionais e internacionais,
respectivamente. Para o restante dos participantes, no campo rating CBX e Fide
está assinalado SR, ou seja, sem 17 Para este estudo pesquisou-se os ratings da
Federação de Xadrez do Paraná (2009), Confederação Brasileira de Xadrez (2009)
e Federação Internacional de Xadrez (2009). rating.
Tanto os participantes básicos, assim como os intermediários, não possuem
rating.
TABELA 2 – RATING
DOS PARTICIPANTES AVANÇADOS
PARTIC.( Fexpar(
CBX( Fide(
A1! 1625! SR! SR!
A2! 1727! SR! SR!
A3! 1715! SR! SR!
A4! 1738! SR! SR!
A5! 1765! SR! SR!
A6! 1679! SR! SR!
A7! 1834! SR! SR!
A8! 1733! SR! SR!
A9! 1666! SR! SR!
A10! 2135! 2049!
2074!
Fonte: Silva
(2010, p. 148)18.
Na
Tabela 3 pode-se ver a distribuição dos participantes tomando por
base
o sexo dos participantes.
TABELA
3 – DISTRIBUIÇÃO QUANTO AO SEXO
SEXO
N %
Masculino
19 63,33
Feminino
11 36,66
Total
30 100
Fonte:
Silva (2010, p. 149).
O
xadrez é um jogo praticado geralmente por mais homens que
mulheres,
motivo pelo qual há um predomínio do sexo masculino na amostra
(63,33%),
conforme pode ser visto na Tabela 3. Na Tabela 4 pode-se ver a
distribuição
dos participantes tomando por base a sua idade.
TABELA
4 – DISTRIBUIÇÃO QUANTO À IDADE
IDADE
N %
14
08 26,66
15
09 30
16
04 13,33
17
07 23,33
18
02 6,66
As listagens de rating estão disponíveis nos seguintes
endereços: Fexpar:
<http://www.fexpar.com.br>; CBX:
<http://www.cbx.org.br>; Fide: <http://www.fide.com>.
Acesso
em: 04/11/09.
Total
30 100
Fonte:
Silva (2010, p. 149).
Observa-se
na Tabela 4 que mais da metade dos participantes
(56,66%)
situam-se dentro da faixa etária dos 14 e 15 anos, e na Tabela 5
pode-se
ver que 53,33% dos participantes estavam cursando o 1° ano do
Ensino
Médio no momento da aplicação das provas.
TABELA
5 – DISTRIBUIÇÃO QUANTO À ESCOLARIDADE
ANO
N %
1°
16 53,33
2°
06 20
3°
08 26,66
Total
30 100
Fonte:
Silva (2010, p. 149).
2.2
Instrumentos e procedimentos
Foram
utilizados dois tipos principais de instrumentos para a coleta de
dados,
uma escala para avaliação do nível de desenvolvimento cognitivo
(EDPL),
e foram jogadas partidas contra o computador. A Escala de Desenvolvimento do
Pensamento Lógico foi utilizada para
avaliar
o nível de desenvolvimento cognitivo dos participantes.
Ela foi
construída
em 1965 por François Longeot (LONGEOT, 1974) e foi baseada na
teoria
de Piaget.
A escala é composta de cinco provas: Prova 1: Conservação do peso e do volume e
Dissociação peso-volume; Prova 2: Permutações; Prova 3: Quantificação de
probabilidades; Prova 4: Oscilação do pêndulo; e Prova 5:Curvas mecânicas. As
partidas de xadrez contra o computador (software Fritz) serviram para fornecer
elementos concretos para caracterizar e diferenciar os participantes dos grupos
básico, intermediário e avançado, além de servir para coletar material para a
análise. Dessa forma, todos os trinta participantes jogaram uma partida contra
o Fritz, e o tempo máximo de duração das partidas foi de duas horas (uma hora
para cada jogador). Os dados da EDPL foram colhidos individualmente na
biblioteca da escola seguindo as instruções fornecidas por Longeot (1974) e Macedo e Torres
(2005). As entrevistas duraram por volta de uma hora e trinta minutos e foram
filmadas e gravadas no formato DVD para facilitar as transcrições.
Para a coleta das partidas
de xadrez contra o Fritz, o pesquisador levou um computador portátil com o
software Fritz 1119 instalado. Os participantes conduziram as peças brancas e
jogaram as partidas utilizando equipamento oficial (tabuleiro, peças e relógio
de xadrez). As jogadas dos participantes foram introduzidas no computador pelo
pesquisador, e as jogadas do computador foram transmitidas ao tabuleiro do
participante também pelo pesquisador. Após o término de cada uma das 30
partidas, o pesquisador solicitou a cada participante que justificasse a
escolha de cada jogada efetuada (análise post-mortem), e toda a sessão foi
filmada.
3 Resultados
A análise dos dados foi
dividida em três momentos principais: primeiro, foram estudadas as
partidas jogadas contra o computador, cujo objetivo foi caracterizar e comparar
os grupos básico, intermediário e avançado no tocante ao seu desempenho
enxadrístico, e calcular seu índice de expertise no xadrez.
Segundo, foram efetuadas
comparações entre nível enxadrístico e desempenho na EDPL, que
teve o objetivo de identificar em quais provas da EDPL os participantes
apresentam melhor desempenho. E, por último, foram efetuadas comparações entre
sexo, idade e série escolar na EDPL, para verificar se existem diferenças entre
essas variáveis na EDPL. Uma vez que as partidas contra o computador forneceram
diversas informações sobre o nível de conhecimento do xadrez dos participantes,
foi possível calcular o índice de expertise no xadrez, que engloba os aspectos principais
das partidas contra o computador. A tabela a seguir apresenta este índice.
19 Disponível em:
<http://www.chessbase.com>.
98
TABELA 6 – ÍNDICE
DE EXPERTISE NO XADREZ
Expertise no
xadrez
Básico
Intermediário Avançado
Escore
Corrigido Escore Corrigido Escore Corrigido
Regras
básicas 8,33 0,83 52,49 5,24 100 10
Erro
de xeque-mate 6 5,78 1 9,48 0 10
Jogada
ilegal 6 5,78 4 7,91 0 10
Número
de jogadas 14,2 4,73 19,2 6,4 24,8 8,26
Vantagem
decisiva 55,29 5,52 61,44 6,14 79,51 7,95
Erro
informado 24,96 2,49 12,22 1,22 42,42 4,24
Abandonou
0 0 0 0 8 8
Índice
de
conhecimento
do
xadrez
25,13
36,39 58,45
35,9%
51,98% 83,5%
Fonte:
Silva (2010, p. 180).
Para obter o escore corrigido, todos os
valores foram padronizados e todos os dados foram transformados em um valor entre 0 e 10. Para
cada item de conhecimento do xadrez houve um procedimento, assim, no item
regras básicas, o escore foi dividido por 10.
Antes
de calcular o escore corrigido do item erro de xeque-mate,
primeiramente deve-se observar que há uma correlação negativa
entre a
expertise no xadrez e a quantidade de erros, ou seja, quanto
melhor o nível no xadrez,
menor a quantidade de erros de xeque-mate e jogadas ilegais. Dessa
forma, os piores desempenhos somariam mais pontos. Para contornar
esse
problema, foi utilizada como escore corrigido a pontuação que
faltava para
atingir 10. Assim, 6 de 14,2 representa 42,25%, dividido por 10 dá
4,22.
Portanto,
o escore corrigido é 5,78. O escore corrigido para o item jogada ilegal
foi obtido como na explicação anterior.
Para o item número de jogadas foi feito o seguinte: uma partida de
60
minutos dura em média 30 lances com aproximadamente 2 minutos por
lance.
Assim,
14,2 representa 47,33% de 30 lances, dividido por 10 dá 4,73. Para os
itens vantagem decisiva e erro informado, o escore foi dividido
por 10. Para o
item abandonou não houve modificação no escore.
Embora o índice de expertise do xadrez dos participantes básicos e
intermediários tenha sido diferente, não houve diferença entre os
desempenhos destes dois grupos no tocante à EDPL, sendo assim designados como
não avançados no xadrez.
O
gráfico a seguir sintetiza o índice de expertise no xadrez e o
desempenho dos participantes nas quatro provas da EDPL que exigem
nível cognitivo formal para resolução, bem como o desempenho geral na EDPL.
GRÁFICO
1 – DESEMPENHO NAS PROVAS FORMAIS
Fonte:
Silva (2010, p. 191).
O
índice de expertise no xadrez mostra que o grupo de avançados no
xadrez
teve desempenho, no tocante ao conhecimento do xadrez,
47,38%
superior ao grupo de não
avançados no xadrez. Das quatro provas da EDPL que exigem nível cognitivo
formal, os participantes avançados no xadrez tiveram desempenho superior em
três delas: permutações, com desempenho 50% superior; probabilidade, com desempenho
27,14% superior20; e curvas mecânicas, com desempenho 46,73% superior. No
entanto, deve-se destacar que na prova do pêndulo o desempenho dos dois grupos
foi idêntico. Pode-se ver que o desempenho geral na EDPL foi 31,7% superior
para os avançados no xadrez. Nas quatro provas que exigem nível cognitivo
formal, o desempenho dos avançados no xadrez foi 30,97% superior ao desempenho
dos não avançados.
4
Discussão
Ao
se discutirem as relações entre o nível enxadrístico e o pensamento
20
Cálculo feito da seguinte forma: 47,81 x 100 ÷ 65,62 = 72,86 – 100 = - 27,14
formal,
podem-se identificar quatro possibilidades, conforme apresenta o
quadro
a seguir.
QUADRO
1 – RELAÇÃO ENTRE O NÍVEL ENXADRÍSTICO E O PENSAMENTO FORMAL
N
Tipo de relação Símbolo Valor
1
Avançado
e formal
V
2
Avançado
e não formal
F
3
Não
avançado e formal
V
4
Não
avançado e não formal
V
Fonte:
Silva (2010, p. 199).
As relações 1 e 2 são as
estudadas nesta pesquisa, e, se uma for verdadeira, a outra deverá,
necessariamente, ser falsa. Dessa forma, segundo a hipótese desta pesquisa, os
participantes avançados no xadrez, na sua maioria, devem apresentar um nível
cognitivo formal (relação 1), e, inversamente,
não devem ser encontrado majoritariamente dentre os participantes avançados
níveis cognitivos não formais, ou seja, concreto e intermediário (relação 2).
Os dados obtidos com os
participantes classificados como avançados
no xadrez são consistentes
com as relações 1 e 2, pois 70% tiveram
desempenho cognitivo
formal na EDPL (relação 1), e, respectivamente, 30% -obtiveram desempenho
cognitivo não formal na EDPL (relação 2). As relações 3 e 4 são verdadeiras,
pois dentre os participantes classificados como não avançados no xadrez
(básicos e intermediários) deve haver aqueles que apresentem o pensamento
formal (relação 3), pois jogar bem xadrez não é uma condição sine qua non para
o desenvolvimento do pensamento formal, senão somente enxadristas atingiriam
este pensamento, o que evidentemente não é verdade. Da mesma forma, como diz a
relação 4, é perfeitamente normal um participante possuir um nível enxadrístico
básico ou intermediário (não avançado) e não ter um nível cognitivo formal.
Os dados obtidos com os
participantes classificados como não avançados no xadrez (básicos e
intermediários) estão de acordo com as relações 3 e 4, pois 95% tiveram
desempenho não formal (relação 4), e respectivamente 5% apresentaram nível
cognitivo formal (relação 3). Os dados apresentados revelam que o desempenho
geral na EDPL dos avançados no xadrez foi 31,7% superior se comparado aos não avançados.
Das quatro provas da EDPL que exigem nível cognitivo formal, os participantes
avançados no xadrez tiveram desempenho superior em três delas: permutações, com
desempenho 50% superior; probabilidade, com desempenho 27,15% superior; e
curvas mecânicas, com desempenho 46,73% superior. Considerando o resultado
geral nessas quatro provas que exigem nível cognitivo formal, os participantes
avançados no xadrez tiveram desempenho 30,97% superior ao desempenho dos não
avançados. No entanto, deve-se destacar que na prova do pêndulo o desempenho
dos dois grupos foi idêntico. Com relação à variável sexo, que na pesquisa de
Macedo (1983, p. 201) se mostrou relevante, em nosso estudo não demonstrou ser
importante, pois não foi encontrada diferença significante entre os grupos do
sexo masculino e feminino na EDPL.
A hipótese alternativa foi formulada tomando-se
por base a existência de diferenças quantitativas e qualitativas no desempenho
no jogo de xadrez nos dois sexos. Com relação às diferenças quantitativas,
pode-se afirmar que o número de homens que praticam xadrez é bem maior que o
número de mulheres. Uma pesquisa feita na Holanda nos anos de 1997 e 1998,
intitulada Queen’s move (KONINKLIJKE BIBLIOTHEEK, 2000, p. 48), mostra que
apenas 5,13% dos praticantes do jogo de xadrez eram do sexo feminino. Para
outros jogos de tabuleiro, como damas e go, o número de mulheres praticantes
também foi bastante baixo (3,7% e 7,37% respectivamente).
Considerações
finais
Ao se refletir sobre os
benefícios educacionais que a introdução do jogo de xadrez nas escolas pode
proporcionar, pode-se afirmar que o ensino do xadrez nas escolas pode
proporcionar dois tipos de benefícios: primeiro, “benefícios de baixo nível”,
tais como melhora na concentração, aprender a perder, aprender que a melhora no
desempenho vem junto com a aprendizagem, ou interesse pela escola mesmo em ambientes
pobres de estímulos; e segundo,“benefícios de alto nível”, como aumento na
inteligência, criatividade e desempenho escolar.
As principais pesquisas sobre o xadrez escolar
exploraram mais as possibilidades de “benefícios de alto nível”, e assim, obtiveram
resultados confusos.
Dessa forma, entendemos
que o xadrez escolar deve ser utilizado explorando mais os
“benefícios de baixo nível”, como um meio para estimular e desenvolver nos
alunos a autonomia, a autoestima, a atenção e a concentração, o autocontrole, a
empatia, a socialização e a aquisição de regras.
Assim, o xadrez escolar
pode ser utilizado para exercitar a autonomia dos alunos, pois a todo
instante é necessário tomar decisões pessoais e ser consequente com elas. No
aspecto de autoestima, o xadrez pode ajudar o aluno a valorizar-se em termos
desportivos (a vitória), artísticos (a estética de uma combinação) e pessoais,
pois é possível comparar seu desempenho em dias diferentes, ou ainda
comparar-se com outros alunos.
O xadrez escolar também pode exercitar a
atenção e a concentração dos alunos, pois é necessário, a todo instante,
considerar todas as peças do tabuleiro e aprender que é importante evitar as
distrações e manter o foco da atenção sobre os estímulos mais relevantes do
jogo a cada momento.
O xadrez escolar também
pode auxiliar no autocontrole dos alunos, pois para vencer uma
partida deve-se aprender a reter a impaciência e a A tradução do artigo de
Gobet e Campitelli (2006), publicada no livro A importância do xadrez, de
Rubens Filguth (FILGUTH, 2007), chama de “benefícios de baixo nível” o que no texto
original aparece como “benefícios de alto nível”, além de omitir os benefícios
de baixo nível.
A seguir o texto original: “[…] chess instruction may provide two
types of gain: first, ‘lowlevel gains’, such as improvement in concentration,
learning to lose, learning that improvement comes with learning, or interest in
school in underprivileged environments; and second, ‘highlevel gains’, such as
increase in intelligence, creativity, and school performance.” Gobet, em comunicação
pessoal, esclareceu que o texto publicado no livro de Filguth é uma tradução do
texto em espanhol que está disponível no site
<http://www.laplaza.org.ar/colabora/revision.htm>.
No entanto, a versão em espanhol não possui os erros de tradução mencionados.
impulsividade, ou seja,
deve-se aprender a esperar e não emitir respostas com excessiva rapidez. Além
de exercitar o autocontrole, o xadrez escolar também pode estimular a empatia
dos alunos, pois é necessário avaliar, a cada instante, os movimentos e as
possibilidades de ação do adversário, juntamente com as suas reações físicas.
Através do xadrez, os alunos podem aprender a sentir respeito e um pouco de
compaixão pelo adversário que perdeu, sobretudo se ele for conhecido, ou se
demonstrar reações de tristeza. Todos os alunos aprendem o que é ganhar e
perder e também devem aprender a não manifestar reações
exageradas em caso de vitória, respeitando assim o adversário que perdeu.
No aspecto de
socialização, deve-se ter em mente que não se pratica o jogo sozinho, e assim é
necessário respeitar o silêncio e a sua vez de jogar. Ao final da partida, o
aluno aprende a analisar a partida em conjunto, o que foi e o que deveria ter
sido jogado (post-mortem). O aluno também aprende que deve manter a
cordialidade com todos os participantes, e que é necessário cumprimentar o
adversário no início e no final da partida. No aspecto de aquisição de regras,
deve-se ter em mente que as regras do jogo são inalteráveis para todos, e que
ninguém pode estabelecer suas próprias normas nem impor condições diferentes
(GARRIDO, 2001, p. 83-84).
Deve-se ter em mente que,
na visão de Brenelli, jogar xadrez proporciona uma experiência de natureza
lógico-matemática intensa que exige uma maior frequência de níveis de abstração
refletida22. Essa afirmação de Brenelli é apoiada pela descrição das
características do pensamento dojogador de xadrez durante uma partida, feita
por Sunye (2004, p. 2): Durante uma partida, o jogador deve estabelecer um
plano estratégico e operações táticas ao longo da mesma. Isto requer do mesmo
não apenas a verificação de conhecimento anterior (recuperação de
informações da memória) como a realização de uma verificação sistemática de
possíveis combinações de lances, com o julgamento contínuo de cada situação
resultante, em termos dos vários elementos do jogo (material e posicional).
Deve, então tomar decisões, escolhendo alternativas que levem ao sucesso,
dentro das finalidades do jogo. Portanto, o jogo de xadrez pode ser visto como
um conteúdo Informação fornecida em comunicação pessoal.
desafiador que implica uma
lógica formal, ou seja, que proporciona desafios no plano formal. Entendemos
que o xadrez, como todo jogo de regras, possibilita desencadear os mecanismos
de equilibração cognitiva, e assim constitui um meio eficiente para favorecer o
desenvolvimento e a aprendizagem das crianças (BRENELLI, 2003, p. No entanto,
deve-se ter em mente que jogar não é somente apropriar-se das regras:
Jogar não é simplesmente
apropriar-se das regras. É muito mais do que isso! A perspectiva do jogar que
desenvolvemos relaciona-se com a apropriação da estrutura, das possíveis
implicações e tematizações. Logo, não é somente jogar que importa (embora seja fundamental!),
mas refletir sobre as decorrências da ação de jogar, para fazer do jogo um
recurso pedagógico que permita a aquisição de conceitos e valores essenciais à
aprendizagem (MACEDO; PETTY; PASSOS, 2005, p. 105).
Finalizando, o problema
que motivou esta pesquisa foi investigar se existe correlação entre a expertise
no jogo de xadrez e o raciocínio lógico.
Os dados apresentados permitem afirmar que
existe uma correlação positiva entre o nível enxadrístico e o desempenho na
EDPL, mas, embora se tenha encontrado essa correlação positiva, deve-se ter em
mente que correlação não significa causação, pois a covariação é uma condição
necessária, porém não suficiente para a causalidade.
No entanto, o fato de esta
pesquisa haver encontrado uma associação entre pensamento lógico e
expertise no xadrez mostra-se relevante para as escolas que desenvolvem (ou
pretendem desenvolver) projetos ligados ao xadrez, pois o desenvolvimento do
raciocínio lógico é sempre o principal argumento daqueles que defendem a
inclusão do xadrez nas escolas, e esta pesquisa apresenta dados favoráveis a
essa posição.
Referências:
23 Disponível em:
<http://en.wikipedia.org/wiki/Correlation_does_not_imply_causation>.
Acesso
em: 04/10/09.
105
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SISTO, F. F. et al.
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20/11/09.
UNITED
STATES CHESS FEDERATION. Chess research bibliography.
Disponível
em: <http://main.uschess.org/content/view/7866/131>. Acesso em:
04/11/09.
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