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Raciocínio lógico e o jogo de xadrez:
em busca de relações.

Wilson da Silva
Rosely Palermo Brenelli

1 Introdução
O interesse pela utilização do jogo de xadrez em contextos educativos vem crescendo nos últimos anos, a julgar pela extensa lista de artigos disponíveis no site da Federação de Xadrez dos Estados Unidos (UNITED STATES CHESS FEDERATION, 2009), que possui um acervo com os principais artigos e pesquisas que versam sobre esse tema. Esse interesse crescente se baseia, na maioria das vezes, na premissa de que o estudo e a prática sistemática do xadrez podem auxiliar na aprendizagem escolar dos alunos. Esta questão já foi aventada em 1977 pelo psicólogo holandês Adriaan
De Groot (1977, p. 1):

A introdução de aulas de xadrez em programas escolares causará modificação na aprendizagem dos alunos; essa modificação esperada na aprendizagem é suficientemente valiosa do ponto de vista educacional, para justificar (1) o esforço extra e o custo da organização que as aulas de xadrez vão exigir, e (2) o tempo a ser gasto por (professores e) alunos de xadrez, junto a, ou em vez de, outras disciplinas? Como o xadrez é uma atividade bastante barata -tabuleiro e peças podem ser confeccionados na escola, por exemplo - o ponto crucial é (2): valerá a pena o tempo gasto com o xadrez, do ponto de vista dos efeitos na aprendizagem dos alunos? (grifos de De Groot).

 As reflexões desenvolvidas neste capítulo são parte da pesquisa de doutorado em educação/Unicamp, área de concentração Psicologia, Desenvolvimento Humano e Educação, do primeiro autor, sob orientação do segundo autor (SILVA, 2009).


Uma vez que o jogo de xadrez vem sendo utilizado largamente nas escolas com a premissa de auxiliar no desenvolvimento cognitivo dos alunos, o problema que motivou esta pesquisa é investigar se existe relação entre a expertise no jogo de xadrez e o raciocínio lógico. Não obstante, segundo Gobet e Campitelli (2006), a maioria dos estudos sobre o xadrez escolar carece de suporte empírico, e os que apresentam suporte empírico possuem graves problemas metodológicos. Entretanto, mestres e professores de xadrez têm plena convicção dos benefícios das aulas de xadrez, propondo que o xadrez desenvolve, dentre outras coisas, a inteligência geral, a habilidade para concentração, fortalece o ego, o autocontrole, a habilidade para análise e a habilidade para leitura. Todavia, há uma grande distância entre as afirmações que muitas vezes são encontradas na literatura enxadrística e os resultados não conclusivos de um número limitado de estudos. As evidências existentes parecem indicar que: a) os possíveis resultados do ensino opcional do xadrez são ainda uma questão aberta; b) ensino obrigatório do xadrez não é recomendável, pois pode resultar em problemas motivacionais; e c) quando o ensino do xadrez pode ser benéfico no início, os benefícios parecem diminuir com o aumento no nível enxadrístico, por causa da quantidade de prática necessária e a especificidade do conhecimento que é adquirido.

As primeiras experiências com a introdução do jogo de xadrez nas escolas no Brasil foram marcadas por certo elitismo, pois mais se buscava selecionar talentos do que efetivamente favorecer a aprendizagem escolar dos alunos. Essa visão elitista decorre provavelmente do fato de o xadrez ser também uma atividade esportiva e, como tal, há uma valorização natural da vitória. Como no imaginário coletivo das pessoas há uma forte associação entre a expertise no xadrez e a inteligência, o fato de um jogador vencer o outro pode levar à ideia perniciosa de que é mais inteligente que o adversário. Dessa forma, não é incomum os enxadristas de alto nível passarem uma visão arrogante de suas habilidades para o público em geral. O escritor Millôr Fernandes (2005, p. 55) captou bem esse sentimento no seu recado para o
Grande Mestre Mequinho15:


O xadrez tem tido sua prática incrementada apenas por
Motivos competitivos lamentáveis. Pois é um jogo que não melhora o ser humano para nenhuma outra prática, não o leva a melhor relacionamento humano, não o torna melhor cidadão no sentido de uma lição de vida ou ação social, nem mesmo à melhoria da linguagem rotineiramente falada. O xadrez desenvolve apenas o tipo de inteligência que leva o indivíduo a jogar melhor xadrez.


Para a composição do grupo avançado, o professor de xadrez da escola indicou os dez estudantes com melhor desempenho em competições, e também foi utilizada uma escala enxadrística, o rating (ELO, 1980)17, que quantifica o desempenho dos jogadores. O professor também selecionou os estudantes para os grupos intermediário e básico.

Para melhor caracterizar os participantes, foi aplicado um questionário com 42 perguntas divididas em quatro partes: 1) Informações pessoais (4 questões); 2) Você e sua família (12 questões); 3) Sobre o uso do computador (5 questões); e 4) Sobre o xadrez (21 questões). As partes 1, 2 e 3 foram adaptadas do questionário de 2006 do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), enquanto a parte 4 foi desenvolvida para esta pesquisa.

Esse questionário foi aplicado individualmente na biblioteca da escola, no horário de aula dos participantes, e seu preenchimento levou aproximadamente quinze minutos. As informações sobre nível enxadrístico, sexo, idade e série serão apresentadas nas tabelas a seguir.
A Tabela 1 mostra o nível enxadrístico dos participantes.

TABELA 1 – DISTRIBUIÇÃO QUANTO AO NÍVEL NO XADREZ
NÍVEL N %

Básico 10 33,33
Intermediário 10 33,33
Avançado 10 33,33
Total 30 100
Fonte: Silva (2010, p. 148).

Na Tabela 2 pode-se ver o rating dos participantes avançados. Na segunda coluna pode-se ver o rating da Federação de Xadrez do Paraná (Fexpar), levando-se em conta que, quanto maior o rating, maior a expertise. Também se pode notar que somente um participante possui rating da Confederação Brasileira de Xadrez (CBX) e da Federação Internacional de Xadrez (Fide), pois para se obter rating CBX e Fide é necessário participar de competições nacionais e internacionais, respectivamente. Para o restante dos participantes, no campo rating CBX e Fide está assinalado SR, ou seja, sem 17 Para este estudo pesquisou-se os ratings da Federação de Xadrez do Paraná (2009), Confederação Brasileira de Xadrez (2009) e Federação Internacional de Xadrez (2009).rating. Tanto os participantes básicos, assim como os intermediários, não possuem rating.

TABELA 2 – RATING DOS PARTICIPANTES AVANÇADOS
PARTIC.( Fexpar( CBX( Fide(
A1! 1625! SR! SR!
A2! 1727! SR! SR!
A3! 1715! SR! SR!
A4! 1738! SR! SR!
A5! 1765! SR! SR!
A6! 1679! SR! SR!
A7! 1834! SR! SR!
A8! 1733! SR! SR!
A9! 1666! SR! SR!
A10! 2135! 2049! 2074!
Fonte: Silva (2010, p. 148)18.
Na Tabela 3 pode-se ver a distribuição dos participantes tomando por
base o sexo dos participantes.
TABELA 3 – DISTRIBUIÇÃO QUANTO AO SEXO
SEXO N %
Masculino 19 63,33
Feminino 11 36,66
Total 30 100
Fonte: Silva (2010, p. 149).
O xadrez é um jogo praticado geralmente por mais homens que
mulheres, motivo pelo qual há um predomínio do sexo masculino na amostra
(63,33%), conforme pode ser visto na Tabela 3. Na Tabela 4 pode-se ver a
distribuição dos participantes tomando por base a sua idade.
TABELA 4 – DISTRIBUIÇÃO QUANTO À IDADE
IDADE N %
14 08 26,66
15 09 30
16 04 13,33
17 07 23,33
18 02 6,66
 As listagens de rating estão disponíveis nos seguintes endereços: Fexpar:
<http://www.fexpar.com.br>; CBX: <http://www.cbx.org.br>; Fide: <http://www.fide.com>.
Acesso em: 04/11/09.

Total 30 100
Fonte: Silva (2010, p. 149).
Observa-se na Tabela 4 que mais da metade dos participantes
(56,66%) situam-se dentro da faixa etária dos 14 e 15 anos, e na Tabela 5
pode-se ver que 53,33% dos participantes estavam cursando o 1° ano do
Ensino Médio no momento da aplicação das provas.
TABELA 5 – DISTRIBUIÇÃO QUANTO À ESCOLARIDADE
ANO N %
1° 16 53,33
2° 06 20
3° 08 26,66
Total 30 100
Fonte: Silva (2010, p. 149).
2.2 Instrumentos e procedimentos
Foram utilizados dois tipos principais de instrumentos para a coleta de
dados, uma escala para avaliação do nível de desenvolvimento cognitivo
(EDPL), e foram jogadas partidas contra o computador. A Escala de Desenvolvimento do Pensamento Lógico foi utilizada para
avaliar o nível de desenvolvimento cognitivo dos participantes.
 Ela foi
construída em 1965 por François Longeot (LONGEOT, 1974) e foi baseada na
teoria de Piaget.

A escala é composta de cinco provas: Prova 1: Conservação do peso e do volume e Dissociação peso-volume; Prova 2: Permutações; Prova 3: Quantificação de probabilidades; Prova 4: Oscilação do pêndulo; e Prova 5:Curvas mecânicas. As partidas de xadrez contra o computador (software Fritz) serviram para fornecer elementos concretos para caracterizar e diferenciar os participantes dos grupos básico, intermediário e avançado, além de servir para coletar material para a análise. Dessa forma, todos os trinta participantes jogaram uma partida contra o Fritz, e o tempo máximo de duração das partidas foi de duas horas (uma hora para cada jogador). Os dados da EDPL foram colhidos individualmente na biblioteca da escola seguindo as instruções fornecidas por Longeot (1974) e Macedo e Torres (2005). As entrevistas duraram por volta de uma hora e trinta minutos e foram filmadas e gravadas no formato DVD para facilitar as transcrições.


Para a coleta das partidas de xadrez contra o Fritz, o pesquisador levou um computador portátil com o software Fritz 1119 instalado. Os participantes conduziram as peças brancas e jogaram as partidas utilizando equipamento oficial (tabuleiro, peças e relógio de xadrez). As jogadas dos participantes foram introduzidas no computador pelo pesquisador, e as jogadas do computador foram transmitidas ao tabuleiro do participante também pelo pesquisador. Após o término de cada uma das 30 partidas, o pesquisador solicitou a cada participante que justificasse a escolha de cada jogada efetuada (análise post-mortem), e toda a sessão foi filmada.

3 Resultados
A análise dos dados foi dividida em três momentos principais: primeiro, foram estudadas as partidas jogadas contra o computador, cujo objetivo foi caracterizar e comparar os grupos básico, intermediário e avançado no tocante ao seu desempenho enxadrístico, e calcular seu índice de expertise no xadrez.

Segundo, foram efetuadas comparações entre nível enxadrístico e desempenho na EDPL, que teve o objetivo de identificar em quais provas da EDPL os participantes apresentam melhor desempenho. E, por último, foram efetuadas comparações entre sexo, idade e série escolar na EDPL, para verificar se existem diferenças entre essas variáveis na EDPL. Uma vez que as partidas contra o computador forneceram diversas informações sobre o nível de conhecimento do xadrez dos participantes, foi possível calcular o índice de expertise no xadrez, que engloba os aspectos principais das partidas contra o computador. A tabela a seguir apresenta este índice.

19 Disponível em: <http://www.chessbase.com>.
98
TABELA 6 – ÍNDICE DE EXPERTISE NO XADREZ
Expertise no xadrez
Básico Intermediário Avançado
Escore Corrigido Escore Corrigido Escore Corrigido
Regras básicas 8,33 0,83 52,49 5,24 100 10
Erro de xeque-mate 6 5,78 1 9,48 0 10
Jogada ilegal 6 5,78 4 7,91 0 10
Número de jogadas 14,2 4,73 19,2 6,4 24,8 8,26
Vantagem decisiva 55,29 5,52 61,44 6,14 79,51 7,95
Erro informado 24,96 2,49 12,22 1,22 42,42 4,24
Abandonou 0 0 0 0 8 8
Índice de
conhecimento do
xadrez
25,13 36,39 58,45
35,9% 51,98% 83,5%
Fonte: Silva (2010, p. 180).

 Para obter o escore corrigido, todos os valores foram padronizados e todos os dados foram transformados em um valor entre 0 e 10. Para cada item de conhecimento do xadrez houve um procedimento, assim, no item regras básicas, o escore foi dividido por 10.

Antes de calcular o escore corrigido do item erro de xeque-mate, primeiramente deve-se observar que há uma correlação negativa entre a expertise no xadrez e a quantidade de erros, ou seja, quanto melhor o nível no xadrez, menor a quantidade de erros de xeque-mate e jogadas ilegais. Dessa forma, os piores desempenhos somariam mais pontos. Para contornar esse problema, foi utilizada como escore corrigido a pontuação que faltava para atingir 10. Assim, 6 de 14,2 representa 42,25%, dividido por 10 dá 4,22.

Portanto, o escore corrigido é 5,78. O escore corrigido para o item jogada ilegal foi obtido como na explicação anterior. Para o item número de jogadas foi feito o seguinte: uma partida de 60 minutos dura em média 30 lances com aproximadamente 2 minutos por lance.
Assim, 14,2 representa 47,33% de 30 lances, dividido por 10 dá 4,73. Para os itens vantagem decisiva e erro informado, o escore foi dividido por 10. Para o item abandonou não houve modificação no escore. Embora o índice de expertise do xadrez dos participantes básicos e intermediários tenha sido diferente, não houve diferença entre os desempenhos destes dois grupos no tocante à EDPL, sendo assim designados como não avançados no xadrez.

O gráfico a seguir sintetiza o índice de expertise no xadrez e o desempenho dos participantes nas quatro provas da EDPL que exigem nível cognitivo formal para resolução, bem como o desempenho geral na EDPL.

GRÁFICO 1 – DESEMPENHO NAS PROVAS FORMAIS
Fonte: Silva (2010, p. 191).

O índice de expertise no xadrez mostra que o grupo de avançados no
xadrez teve desempenho, no tocante ao conhecimento do xadrez,
47,38%
superior ao grupo de não avançados no xadrez. Das quatro provas da EDPL que exigem nível cognitivo formal, os participantes avançados no xadrez tiveram desempenho superior em três delas: permutações, com desempenho 50% superior; probabilidade, com desempenho 27,14% superior20; e curvas mecânicas, com desempenho 46,73% superior. No entanto, deve-se destacar que na prova do pêndulo o desempenho dos dois grupos foi idêntico. Pode-se ver que o desempenho geral na EDPL foi 31,7% superior para os avançados no xadrez. Nas quatro provas que exigem nível cognitivo formal, o desempenho dos avançados no xadrez foi 30,97% superior ao desempenho dos não avançados.
4 Discussão
Ao se discutirem as relações entre o nível enxadrístico e o pensamento
20 Cálculo feito da seguinte forma: 47,81 x 100 ÷ 65,62 = 72,86 – 100 = - 27,14

formal, podem-se identificar quatro possibilidades, conforme apresenta o
quadro a seguir.
QUADRO 1 – RELAÇÃO ENTRE O NÍVEL ENXADRÍSTICO E O PENSAMENTO FORMAL
N Tipo de relação Símbolo Valor
1
Avançado e formal
V
2
Avançado e não formal
F
3
Não avançado e formal
V
4
Não avançado e não formal
V
Fonte: Silva (2010, p. 199).
As relações 1 e 2 são as estudadas nesta pesquisa, e, se uma for verdadeira, a outra deverá, necessariamente, ser falsa. Dessa forma, segundo a hipótese desta pesquisa, os participantes avançados no xadrez, na sua maioria, devem apresentar um nível cognitivo formal  (relação 1), e, inversamente, não devem ser encontrado majoritariamente dentre os participantes avançados níveis cognitivos não formais, ou seja, concreto e intermediário (relação 2).

Os dados obtidos com os participantes classificados como avançados
no xadrez são consistentes com as relações 1 e 2, pois 70% tiveram
desempenho cognitivo formal na EDPL (relação 1), e, respectivamente, 30% -obtiveram desempenho cognitivo não formal na EDPL (relação 2). As relações 3 e 4 são verdadeiras, pois dentre os participantes classificados como não avançados no xadrez (básicos e intermediários) deve haver aqueles que apresentem o pensamento formal (relação 3), pois jogar bem xadrez não é uma condição sine qua non para o desenvolvimento do pensamento formal, senão somente enxadristas atingiriam este pensamento, o que evidentemente não é verdade. Da mesma forma, como diz a relação 4, é perfeitamente normal um participante possuir um nível enxadrístico básico ou intermediário (não avançado) e não ter um nível cognitivo formal.

Os dados obtidos com os participantes classificados como não avançados no xadrez (básicos e intermediários) estão de acordo com as relações 3 e 4, pois 95% tiveram desempenho não formal (relação 4), e respectivamente 5% apresentaram nível cognitivo formal (relação 3). Os dados apresentados revelam que o desempenho geral na EDPL dos avançados no xadrez foi 31,7% superior se comparado aos não avançados. Das quatro provas da EDPL que exigem nível cognitivo formal, os participantes avançados no xadrez tiveram desempenho superior em três delas: permutações, com desempenho 50% superior; probabilidade, com desempenho 27,15% superior; e curvas mecânicas, com desempenho 46,73% superior. Considerando o resultado geral nessas quatro provas que exigem nível cognitivo formal, os participantes avançados no xadrez tiveram desempenho 30,97% superior ao desempenho dos não avançados. No entanto, deve-se destacar que na prova do pêndulo o desempenho dos dois grupos foi idêntico. Com relação à variável sexo, que na pesquisa de Macedo (1983, p. 201) se mostrou relevante, em nosso estudo não demonstrou ser importante, pois não foi encontrada diferença significante entre os grupos do sexo masculino e feminino na EDPL.

 A hipótese alternativa foi formulada tomando-se por base a existência de diferenças quantitativas e qualitativas no desempenho no jogo de xadrez nos dois sexos. Com relação às diferenças quantitativas, pode-se afirmar que o número de homens que praticam xadrez é bem maior que o número de mulheres. Uma pesquisa feita na Holanda nos anos de 1997 e 1998, intitulada Queen’s move (KONINKLIJKE BIBLIOTHEEK, 2000, p. 48), mostra que apenas 5,13% dos praticantes do jogo de xadrez eram do sexo feminino. Para outros jogos de tabuleiro, como damas e go, o número de mulheres praticantes também foi bastante baixo (3,7% e 7,37% respectivamente).

 Considerações finais
Ao se refletir sobre os benefícios educacionais que a introdução do jogo de xadrez nas escolas pode proporcionar, pode-se afirmar que o ensino do xadrez nas escolas pode proporcionar dois tipos de benefícios: primeiro, “benefícios de baixo nível”, tais como melhora na concentração, aprender a perder, aprender que a melhora no desempenho vem junto com a aprendizagem, ou interesse pela escola mesmo em ambientes pobres de estímulos; e segundo,“benefícios de alto nível”, como aumento na inteligência, criatividade e desempenho escolar.

 As principais pesquisas sobre o xadrez escolar exploraram mais as possibilidades de “benefícios de alto nível”, e assim, obtiveram resultados confusos.

Dessa forma, entendemos que o xadrez escolar deve ser utilizado explorando mais os “benefícios de baixo nível”, como um meio para estimular e desenvolver nos alunos a autonomia, a autoestima, a atenção e a concentração, o autocontrole, a empatia, a socialização e a aquisição de regras.

Assim, o xadrez escolar pode ser utilizado para exercitar a autonomia dos alunos, pois a todo instante é necessário tomar decisões pessoais e ser consequente com elas. No aspecto de autoestima, o xadrez pode ajudar o aluno a valorizar-se em termos desportivos (a vitória), artísticos (a estética de uma combinação) e pessoais, pois é possível comparar seu desempenho em dias diferentes, ou ainda comparar-se com outros alunos.

 O xadrez escolar também pode exercitar a atenção e a concentração dos alunos, pois é necessário, a todo instante, considerar todas as peças do tabuleiro e aprender que é importante evitar as distrações e manter o foco da atenção sobre os estímulos mais relevantes do jogo a cada momento.

O xadrez escolar também pode auxiliar no autocontrole dos alunos, pois para vencer uma partida deve-se aprender a reter a impaciência e a A tradução do artigo de Gobet e Campitelli (2006), publicada no livro A importância do xadrez, de Rubens Filguth (FILGUTH, 2007), chama de “benefícios de baixo nível” o que no texto original aparece como “benefícios de alto nível”, além de omitir os benefícios de baixo nível.

 A seguir o texto original: “[…] chess instruction may provide two types of gain: first, ‘lowlevel gains’, such as improvement in concentration, learning to lose, learning that improvement comes with learning, or interest in school in underprivileged environments; and second, ‘highlevel gains’, such as increase in intelligence, creativity, and school performance.” Gobet, em comunicação pessoal, esclareceu que o texto publicado no livro de Filguth é uma tradução do texto em espanhol que está disponível no site
<http://www.laplaza.org.ar/colabora/revision.htm>. No entanto, a versão em espanhol não possui os erros de tradução mencionados.

impulsividade, ou seja, deve-se aprender a esperar e não emitir respostas com excessiva rapidez. Além de exercitar o autocontrole, o xadrez escolar também pode estimular a empatia dos alunos, pois é necessário avaliar, a cada instante, os movimentos e as possibilidades de ação do adversário, juntamente com as suas reações físicas. Através do xadrez, os alunos podem aprender a sentir respeito e um pouco de compaixão pelo adversário que perdeu, sobretudo se ele for conhecido, ou se demonstrar reações de tristeza. Todos os alunos aprendem o que é ganhar e perder e também devem aprender a não manifestar reações exageradas em caso de vitória, respeitando assim o adversário que perdeu.

No aspecto de socialização, deve-se ter em mente que não se pratica o jogo sozinho, e assim é necessário respeitar o silêncio e a sua vez de jogar. Ao final da partida, o aluno aprende a analisar a partida em conjunto, o que foi e o que deveria ter sido jogado (post-mortem). O aluno também aprende que deve manter a cordialidade com todos os participantes, e que é necessário cumprimentar o adversário no início e no final da partida. No aspecto de aquisição de regras, deve-se ter em mente que as regras do jogo são inalteráveis para todos, e que ninguém pode estabelecer suas próprias normas nem impor condições diferentes (GARRIDO, 2001, p. 83-84).

Deve-se ter em mente que, na visão de Brenelli, jogar xadrez proporciona uma experiência de natureza lógico-matemática intensa que exige uma maior frequência de níveis de abstração refletida22. Essa afirmação de Brenelli é apoiada pela descrição das características do pensamento dojogador de xadrez durante uma partida, feita por Sunye (2004, p. 2): Durante uma partida, o jogador deve estabelecer um plano estratégico e operações táticas ao longo da mesma. Isto requer do mesmo não apenas a verificação de conhecimento anterior (recuperação de informações da memória) como a realização de uma verificação sistemática de possíveis combinações de lances, com o julgamento contínuo de cada situação resultante, em termos dos vários elementos do jogo (material e posicional). Deve, então tomar decisões, escolhendo alternativas que levem ao sucesso, dentro das finalidades do jogo. Portanto, o jogo de xadrez pode ser visto como um conteúdo Informação fornecida em comunicação pessoal.

desafiador que implica uma lógica formal, ou seja, que proporciona desafios no plano formal. Entendemos que o xadrez, como todo jogo de regras, possibilita desencadear os mecanismos de equilibração cognitiva, e assim constitui um meio eficiente para favorecer o desenvolvimento e a aprendizagem das crianças (BRENELLI, 2003, p. No entanto, deve-se ter em mente que jogar não é somente apropriar-se das regras:
Jogar não é simplesmente apropriar-se das regras. É muito mais do que isso! A perspectiva do jogar que desenvolvemos relaciona-se com a apropriação da estrutura, das possíveis implicações e tematizações. Logo, não é somente jogar que importa (embora seja fundamental!), mas refletir sobre as decorrências da ação de jogar, para fazer do jogo um recurso pedagógico que permita a aquisição de conceitos e valores essenciais à aprendizagem (MACEDO; PETTY; PASSOS, 2005, p. 105).
Finalizando, o problema que motivou esta pesquisa foi investigar se existe correlação entre a expertise no jogo de xadrez e o raciocínio lógico.

 Os dados apresentados permitem afirmar que existe uma correlação positiva entre o nível enxadrístico e o desempenho na EDPL, mas, embora se tenha encontrado essa correlação positiva, deve-se ter em mente que correlação não significa causação, pois a covariação é uma condição necessária, porém não suficiente para a causalidade.

No entanto, o fato de esta pesquisa haver encontrado uma associação entre pensamento lógico e expertise no xadrez mostra-se relevante para as escolas que desenvolvem (ou pretendem desenvolver) projetos ligados ao xadrez, pois o desenvolvimento do raciocínio lógico é sempre o principal argumento daqueles que defendem a inclusão do xadrez nas escolas, e esta pesquisa apresenta dados favoráveis a essa posição.








Referências:


23 Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Correlation_does_not_imply_causation>. Acesso
em: 04/10/09.
105
BRENELLI, R. P. Uma proposta psicopedagógica com jogo de regras. In:
SISTO, F. F. et al. Atuação psicopedagógica e aprendizagem escolar. 8. ed.
Petrópolis: Vozes, 2003. p. 140-162.
DE GROOT, A. Memorandum: Chess instruction in school? A few arguments
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ELO, A. A statistical system for the rating of chess players. In: KAZIC, B. The
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FERNANDES, M. O livro vermelho dos pensamentos de Millôr. Porto Alegre:
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FILGUTH, R. (Org.). A importância do xadrez. Porto Alegre: Artmed, 2007.
GARRIDO, F. G. Educando desde el ajedrez. Barcelona: Paidotribo, 2001.
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REDMAN, T. Chess and education: selected essays from the Koltanowski
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2006.
KONINKLIJKE BIBLIOTHEEK. The chess collection: Queen’s move. Disponível
em: <http://www.kb.nl/vak/schaak/inleiding/geschiedenis-en.html>.
Acesso em: 04/11/09.
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MACEDO, L. de. Nível operatório de escolares (11 - 15 anos) conforme a EDPL
de Longeot: estudo intercultural, transversal e longitudinal. 238 f. Tese (Livre
Docência em Psicologia) – Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo,
São Paulo, SP, 1983.
_____; PETTY, A. L. S.; PASSOS, N. C. Os jogos e o lúdico na aprendizagem
escolar. Porto Alegre: Artmed, 2005.
_____; TORRES, M. Z. Échelle de Développment de la Pensée Logique –
EDPL: François Longeot (1968-1974). Artigo não publicado, 2005.
SILVA, W. da. Raciocínio lógico e o jogo de xadrez: em busca de relações. 428
f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, SP, 2010.
106
SUNYE, J. Xadrez escolar: um instrumento multidisciplinar numa escola de
qualidade. 2004. Disponível em:
<http://www.fexpar.esp.br/Leituras/artigojaime2004/ArtigoRJ.doc>. Acesso em:
20/11/09.
UNITED STATES CHESS FEDERATION. Chess research bibliography.
Disponível em: <http://main.uschess.org/content/view/7866/131>. Acesso em:
04/11/09.

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